sábado, 27 de novembro de 2010

ILOMA SALES, EDITORA DO MOBI A TARDE, FALA SOBRE JORNALISMO E MOBILIDADE

 Os dispositivos móveis representam o futuro do jornalismo. Pelo menos essa é a ideia propagada em teses, palestras e mídias especializadas em tendências para o jornalismo. A afirmação precisa ser um tanto relativizada, apesar de concordar que não há como pensar jornalismo sem pensar em mobilidade, seja na produção ou no consumo.
Nessa entrevista, com a jornalista Iloma Sales (siga também a moça no Twitter), editora-coordenadora do Mobi A TARDE, desafios e oportunidades para o jornalismo móvel estão em pauta. Iloma Sales destaca que as experiência em mobile no Brasil ainda segue a lógica transpositiva “É preciso se preocupar com o que vamos oferecer e em qual suporte este conteúdo estará. Não devemos estar numa nova mídia só por estar”. Por fim, a editora do Mobi A TARDE questiona: “Há muito, parafraseando António Fidalgo, o celular abandonou sua natureza primária: a de telefone. Será que esta frase não caberia ao jornalismo?”
Confira a entrevista abaixo.
Yuri Almeida - No processo de convergência midiática os dispositivos móveis atuam como protagonista ou tornaram-se a grande aposta das empresas de comunicação. Existe vida para o ciberjornalismo longe da mobilidade? Como você avalia a adaptação e estratégias dos jornais brasileiros e, principalmente, da Bahia, ao cenário mobile?
Iloma Sales - Vejo e concordo com vários estudiosos e especialistas no assunto ao perceberem os dispositivos móveis como uma tendência. É uma via sem volta, assim como foi o advento da Internet. Contudo, enxergo a inserção das empresas de comunicação no Brasil como algo ainda experimental. Não sei te dizer como está agora, mas quando estávamos para lançar o Mobi A TARDE - há quase 2 anos - soube que apenas o Jornal do Commercio (JC), do Recife, e o Grupo A TARDE, da Bahia, montaram equipe para tratar e trabalhar conteúdos para dispositivos móveis. Migrei de editora de um portal (A TARDE On Line) para o desafio de estruturar, pensar, um conteúdo para estes dispositivos.
Desde então, tenho navegado por outros conteúdos e vejo muito material automatizado. A partir disso, temos aí a repetição da primeira de uma das fases da Internet, com um diferencial: antes a transposição ocorria do impresso para o meio digital, agora é de digital para digital, que se mescla à terceira fase pelos dispositivos de última geração já permitirem conteúdos multimídia. No entanto, as empresas brasileiras que não montaram núcleos para tratarem estes conteúdos para celulares e outros dispositivos móveis como os tablets, automatizaram o serviço puxando o conteúdo de seus portais. Resultado: textos longos, cortados, links “quebrados”, infográficos em flash que não funcionam em alguns aparelhos. É preciso se preocupar com o que vamos oferecer e em qual suporte este conteúdo estará. Não devemos estar numa nova mídia só por estar. Tem que haver forma.
YA - O Brasil já conta mais de 190 milhões de linhas de celulares, entretanto contamos na mão do Lula as experiências em que o leitor pode enviar notícias, imagens, vídeos a partir de aplicativos para os jornais via celular. Você acredita que as empresas de comunicação irão apostar na colaboração via mobile?
IS - Sem dúvida! Apesar dos mais de 190 milhões de chips - prefiro me referir a chips do que a linhas, pois pode remeter ao sentido de pós-pago - mais de 80% destes ainda é de pré-pagos. Esta ainda é uma barreira a ser vencida. Quem tem um pré-pago pensa muito antes de gastar seus créditos enviando algo. É preciso uma política de telecomunicação mais aberta, para que a disputa se acirre entre as empresas que operam no mercado brasileiro e outras possam entrar. Em contrapartida, uma vantagem é o crescimento da venda de smartphones. Os pontos de acesso (PAs) de rede Wi-fi no País têm crescido. Bom sinal!! Assim, por mais que sejam usuários de smarts pré-pagos, em algum momento eles poderão e quererão navegar em seus “brinquedinhos”. Ainda assim, considero que temos muito a vencer.
YA - “Pensar” o jornalismo móvel me parece concentrar-se ainda na “técnica” e não nos aspectos culturais de produção e consumo. Sobra técnica e falta qualidade no jornalismo móvel?
IS - Concordo contigo. Em parte! (risos). A técnica é necessária seja lá em qual suporte você vá trabalhar. O fazer jornalismo também não muda. O que muda é a audiência à qual se vai atingir. Para isso, é preciso, antes de mais nada, dados estatísticos (pesquisas qualitativas e quantitativas) que te deem um Norte. Para citar um exemplo, hoje no Mobi trabalhamos (eu e equipe) com um acompanhamento hora a hora e por dia dos canais e matérias mais acessadas, além do monitoramento que faço no critério de visualizações. É preciso saber o que meu cliente quer ver e quem é esta audiência. Tenho controle até dos tipos de aparelhos utilizados. Sendo assim, a técnica ajuda? Sim, muitíssimo! Mas, tenho que saber uni-la ao jornalismo para hierarquizar a notícia e adequá-la para tentar agradar a maioria.
YA - Produção me lembra formação…Estamos preparados para tal desafio? E o que dizer da faculdades? A grade curricular está adequada às necessidades profissionais contemporâneas?
IS - Infelizmente nossa academia não está preparada e, por consequência, não consegue preparar profissionais multimídia como o mercado pede atualmente. Percebo que a Internet trouxe com ela uma leva de autodidatas. Óbvio que devemos saber, assim como aprendemos no jornalismo, quem são as fontes confiáveis. E isso também é possível na web. O que quero dizer é que isso tem ajudado aos jornalistas mais inquietos a buscarem se atualizar. Além disso, as especializações têm sido uma boa opção para ampliar esse conhecimento. Mas reconheço a falha da grade curricular e aproveito para fazer um apelo: é preciso repensar o jornalismo que se ensina nas faculdades urgentemente. A velocidade das redes sociais e das novas tecnologias nos pede isso. Temos que já pensar como a Universidade de Columbia, em Nova York, que criou um centro voltado para o jornalismo digital (http://knightcenter.utexas.edu/pt-br/node/3360).
YA - Historicamente jornalismo e publicidade andam de mãos dadas. Celular implica sobretudo personalização, a publicidade personalizada já uma realidade, mas não podemos dizer o mesmo do jornalismo. Personalização seria a palavra-chave nesse contexto para o jornalismo, tendo em vista as estratégias da publicidade em focar nos “nichos” e não na “massa”?
IS - Bem! Creio que ainda seja cedo para te responder isso. Mas, percebo essa tendência à segmentação tanto nos impressos quanto nos digitais. Há quem diga o contrário! Vale! E, me arrisco ao tentar descrever o que acho que se sucede: o perfil do usuário/leitor vem mudando. Isso é fato! Junto a isso, temos o tempo que já nos é caro e escasso. Assim, penso que esse novo consumidor de conteúdo deseja encontrar facilmente o que busca e a estruturação por “nichos” lhe traz essa facilidade. Diante de tanta informação para ser degustada, é preciso mostrar o caminho para ele. Como exemplo, temos redes sociais voltadas a profissionais, outra só para quem curte música e assim vai.
YA - Já que o Polvo Paul faleceu e não teremos mais previsões…Nos próximos cinco anos, qual a expectativa e tendências para o jornalismo móvel?
IS - Temos muito a crescer ainda. É preciso saber usar, de forma criativa, todas as possibilidades que estes dispositivos nos disponibilizam. E isso para o jornalismo, num mercado cada vez mais competitivo, será essencial. Costumo dizer que subutilizamos o real potencial destes aparatos. Há muito, parafraseando António Fidalgo, professor de Ciências da Comunicação da Universidade da Beira Interior (Portugal), o celular abandonou sua natureza primária: a de telefone. Será que esta frase não caberia ao jornalismo? Convoco-os à reflexão.

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