terça-feira, 28 de dezembro de 2010

NOVOS TEMPOS, NOVOS SUJEITOS: NOVAS FORMAS DE VIOLÊNCIA!

A HORDA DOS TEMPOS MODERNOS: VIOLÊNCIA E BARBÁRIE ENTRE OS JOVENS
      Por Michel Aires de Souza - em 22/11/10

Publicado originalmente em:  http://filosofonet.wordpress.com/

 “Educar mal um homem é dissipar capitais e preparar dores e perdas à sociedade.
(Voltaire)

O homem não é nada além daquilo que a educação faz dele.  ( Kant)

              Tornou-se comum nos últimos dias na imprensa noticiários de grupo de jovens que atacam   violentamente pessoas indefesas, seja por motivo de xenofobia, preconceito ou  sem motivo aparente. Na avenida Paulista,  cinco jovens de classe média atacaram um rapaz com uma lâmpada fluorescente  por motivos de homofobia. No Rio de janeiro,  cinco jovens, também de classe média,  roubaram e espancaram uma empregada doméstica no ponto de ônibus. Pensavam que ela era uma prostituta.  Em Brasília,  três jovens atearam fogo  em um índio pataxó por motivo torpe. Alegaram que era apenas  por diversão. Esses três casos mais comentados na imprensa demonstram o espetáculo patético e perverso de nossa juventude.  O que se nota é que esses jovens agridem violentamente e justificam sua atitude através de motivos banais. O ódio a homossexuais, a nordestinos, a prostitutas, a pobres e a rivalidade de grupos são as justificativas mais comuns. Será que o preconceito e a xenofobia não escondem algo mais profundo, mais subjetivo e inconsciente?
              A psicanálise pode nos oferecer o instrumental para analisar essa violência que se tornou uma constante em nossa atualidade.  Do nosso ponto de vista, há dois motivos que levam os jovens a praticar a violência gratuitamente.  O primeiro motivo  é um problema de ordem grupal e intersubjetivo, o segundo motivo é de ordem individual e subjetivo. Trataremos primeiro daquele e depois deste.
            Freud em seu livro “Psicologia de Grupo e Análise do Ego” de 1921,  mostra-nos a partir das idéias de Gustave Le Bon,  de forma  impressionante  e magistral, as transformações psicológicas por que passa o indivíduo ao fazer parte de um  grupo.  A partir de algumas idéias deste livro tentaremos analisar e entender melhor a regressão social, a violência e a barbárie  a que estão submetidos os jovens em nossa atualidade.  
             É notório que o adolescente sempre andou em grupos. Este fato tem um enorme significado sobre as psicologia dos jovens. O indivíduo que vive em grupo reproduz sentimentos inconscientes primitivos da horda primordial. O jovem comporta-se como se pertencesse a um bando de primatas dos primeiros tempos da humanidade.    Quando o jovem passa a fazer parte de um grupo,  ele adquire um sentimento de enorme poder que o leva  a dar vazão aos seus instintos de forma inconseqüente.  Ele sente que seus desejos emocionais podem ser facilmente realizados sem grandes conseqüências. O Jovem sente que é parte de algo maior do que ele,   sente-se que é querido e amado e,  por estas razões,  é facilmente levado pelas ações e idéias do resto do grupo. Se ele estivesse isolado não seria facilmente convencido, mas como faz parte do grupo,   é facilmente sugestionado, agindo de forma quase inconsciente aos apelos dos outros membros do  grupo.  O jovem deixa de ser um ser consciente e passa a pensar e agir de forma inconsciente. A grande importância de Freud na análise de psicologia do grupo foi a de acentuar as motivações inconscientes e primitivas no comportamento do grupo.  
           O jovem quando participa de um grupo perde a noção de controle e equilíbrio emocional. O autocontrole deixa de existir, o indivíduo torna-se mais impetuoso, mais agressivo e mais emocional.   Se tivesse isolado pensaria antes de agir, mas em grupo perde sua autonomia e vontade própria. É como se estivesse sobre o efeito de alguma droga.  Sua automotivação  fica sujeito as motivações do grupo.   
            Todo grupo  é em sua essência impetuoso, inconstante, agressivo e tem sentimentos de onipotência.  Eles são rebeldes, contrário as normas sociais e inclinados à violência. Apesar de serem contrários as normas sociais o grupo é conservador, ama as tradições e as ilusões que lhe dão força. Eles são dominados  por uma espécie de inconsciente coletivo. Suas atitudes são sempre conservadoras, daí a perseguição a  homossexuais, nordestinos, prostitutas e pobres .Eles adotam atitudes extremas em sua conduta ética. Muitos desses jovens são inteligentes e têm boa formação, contudo a capacidade intelectual do grupo é bem abaixo de seus membros isoladomente.
        Todo grupo de jovens tem entre seus membros uma forte relação emocional ligados por desejos comuns, por costumes ou hábitos. Para Freud o que liga  o grupo é a libido. É o instinto gregário da espécie humana.   O individuo abandona sua individualidade e deixa se levar pelas idéias do grupo, pois tem a necessidade de pertencer a algo maior do que ele e de viver em harmonia, ser amado e respeitado. Ele herdou o desejo de viver em “bandos” da “filogênia da libido humana”.  Para Freud a função de  Eros é criar complexidades cada vez maiores de vida. É o amor que une os indivíduos e cria os agrupamentos humanos.  
      Todo grupo de jovens tem um chefe, geralmente é o mais popular, o mais agressivo, o mais admirado.  Ao analisar a igreja e o exército, Freud chegou a conclusão que o chefe é o segundo fator depois de Eros na unificação  do grupo. Por meio  do chefe todos os membros ligam-se uns aos outros por relações de amor (Eros). O chefe  mantém o grupo unido por um estado de identificação mediante seu amor e através de um catarse sobre os membros, isto é,  agindo hipnoticamente sobre o grupo. O chefe personifica o “ideal do Ego”. Este liga-se as funções de autoconservação, consciência moral e repressão. Cabe ao chefe, portanto, o controle das consciências do grupo. Ele une todos do grupo pela  identificação  uns com os outros e pela mesma  percepção da realidade.
        Nota-se  que o grupo age sempre de forma  primitiva, agressiva e infântil. O jovem é determinado por uma herança arcaica.  Traços de memória do passado  se reproduz nos membros grupo. A horda primordial continua determinando a formação de bandos ainda hoje. As experiências infantis dos indivíduos do grupo  estão ligadas às experiências da espécie.   
 Outro fator que asseveramos para a extrema violência dos jovens hoje  é de caráter individual e subjetivo. Para sermos mais claro, é um problema de ordem sexual.  A insatisfação sexual libera forças destrutivas no indivíduo.  São dois impulsos básicos que governam o homem: os impulsos sexuais (Eros) e os impulsos agressivos (thanatos). Qualquer impedimento de ordem sexual e de insatisfação dos desejos liberam as forças destrutivas.   
           Freud diagnosticou em sua época que grande parte da violência contra a sociedade provém  do conflito irreconciliável entre as exigências pulsionais e as exigência repressivas da civilização. O indivíduo para viver em sociedade deve abandonar uma grande parte de seus desejos e satisfações,  canalizando sua energia sexual para o trabalho. Todos os bens materiais e intelectuais da sociedade têm sua origem na repressão sexual. Em conseqüência disso, as restrições à sexualidade exigida  pela civilização liberta as forças destrutivas no homem. Para Freud este é o motivo de toda violência no interior das práticas sociais.  
              Hoje não vivemos mais numa sociedade repressora como a de Freud. A sexualidade não é mais reprimida como antigamente, pelo contrário, nunca como antes ela foi tão incentivada. A todo momento é possível ver na televisão a exibição de corpos de homens e mulheres seminus. O culto ao corpo e principalmente a exposição de bundas no dia-a-dia da televisão tornou-se uma mania nacional. Apesar dessa liberalização, o jovem  tem muita dificuldade com sua sexualidade. Ainda hoje as dificuldades sexuais é resultado de uma educação sexual repressora e distorcida. O medo, a ansiedade, a culpa associada ao prazer do corpo são comuns em famílias conservadoras.   Além disso, o desenvolvimento sexual na adolescência não é uma fase fácil, mas é cheia de conflitos, complexos e ansiedade gerando uma grande frustração e, em conseqüência disso, produzindo uma  grande tensão capaz de liberar  enormes forças destrutivas. Muitos jovens têm dificuldades de realizar sua sexualidade plenamente por várias causas,  como ansiedade, dificuldade de ereção, complexos de inferioridade, rejeição,  timidez, etc.    
             Se o diagnóstico de Freud é correto, se a insatisfação da libido gera os impulsos destrutivos no homem, então  um dos motivos para a extrema violência da juventude é devido as dificuldades com sua sexualidade.  A não satisfação da sexualidade no jovem provavelmente é responsável  pela liberação de forças primordiais violentas.  
          O que buscamos aqui foi analisar a violência juvenil do ponto de vista do inconsciente. Contudo, devemos acrescentar que a perda dos valores e a crise familiar no mundo moderno contribuiu para o aumento da violência entre os jovens. A família como formadora da individualidade se fragmentou. Os laços familiares se tornaram frágeis por causa das exigências do mundo exterior. A família não constitui mais um núcleo fixo de produção do sujeito. O adolescente de hoje já não  tem  mais o convívio do pai. O pai deixou de ser um parâmetro ou modelo a ser seguido. Não há mais parâmetros ou padrões definidos A mídia e  os grupos de amigos ensinam os modelos, as formas de ser, de pensar, de agir e de valorizar.
Bibliografia
FREUD, S. O mal estar na civilização. Rio de Janeiro, Imago,  Edições Standard, Tomo  XXI ,1969.
FREUD, S. O futuro de uma ilusão.  Rio de Janeiro, Imago, Edições Standarrd,  Tomo XXI,  1969.
FREUD, S. Totem e tabu. In: Obras completas de Sigmund Freud; trad. Dr. J.P. Porto. Rio de Janeiro: Delta, 1980
FREUD, S. Psicologia de Grupo e a Análise do Ego . Rio de Janeiro: Imago, 1996.

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