segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

PAULO FREIRE, UM MINÚSCULO, LINDO E GRANDE HOMEM QUE TIVE/TENHO A HONRA DE SEGUIR AQUI, ALGURES, ALHURES, ONTEM, HOJE E SEMPRE.


PAULO FREIRE
*Airton Queiroz 

Sinto-me envergonhado como habitante de um país, 
onde se perseguiu um ser luminoso como 
meu amigo e companheiro Paulo Freire(...)
 A notícia da anistia póstuma a Paulo Freire, mesmo com pedido de perdão pelo Estado Brasileiro, claro que dignifica a Comissão de Anistia que tomou essa decisão, contudo, me traz, igualmente, alguma tristeza.  Sinto-me envergonhado como habitante de um país, onde se perseguiu um ser luminoso como meu amigo e companheiro Paulo Freire que, com seu trabalho, ajudou milhões de pessoas, em vários países do mundo, a sair das trevas da ignorância.
Em mim, essa notícia bate muito forte, pois tive a honra de ser, por dois anos, educador pelo Método Paulo Freire (MPF). Fui treinado, junto com outros, pelo próprio Paulo, em seu método, o qual ele nunca chamou de seu, dizia que era a maneira natural como todos aprendemos e apreendemos o mundo.

Atuei como supervisor e multiplicador de monitores, não só nos bairros pobres do Recife, durante o governo de Arraes. Fui o único que aceitou o desafio lançado por Paulo Freire e Paulo Rosas sobre quem aceitaria aplicar seu método numa zona estritamente rural, o mais distante de qualquer núcleo urbano e, se possível, num lugar sem luz elétrica. Aceitei e fui viver por quase dois meses numa casa rústica do Engenho Batinga, nas brenhas do município de Barreiros, Zona da Mata Sul de Pernambuco, que se localizava a mais de hora e meia, de carro, por estrada de terra batida do centro da cidade de Barreiros. Lá, eu fui monitor (não se chama professor) de duas turmas de cortadores de cana desse Engenho Batinga e de um outro engenho próximo, chamado Engenho Duas Bocas, num total de noventa e poucos alunos, de ambos os sexos e diferentes idades.
 Movimentava-me naquelas estradas escuras num burrinho que me cederam. Em menos de dois meses, essas pessoas humildes e esquecidas do mundo, estavam lendo jornais e revistas velhos e escrevendo, em caderninhos e nos bancos, embora com dificuldades, com as letras saindo-lhes “em garranchos”, porém, todos com um orgulho que dava gosto de ver.
O MPF é feito com o universo vocabular do local dos aprendizandos, que o monitor pesquisa silenciosamente em longas conversas com eles. É preciso lhes ganhar a confiança e, sobremaneira, ter-lhes o máximo respeito. O Método só tem sucesso se envolver os agentes do aprendizado a discutir as suas vidas e os seus relacionamentos com o mundo da cultura, principalmente da cultura dos seus trabalhos.
 Saber que a foice é um bem de cultura é uma alegria. A foice passa a ser olhada com admiração e não apenas como um simples e descartável instrumento de trabalho. Logo entendem que é o trabalho deles e de todo o mundo que produz o mundo da cultura.

São, portanto, todos artistas no sentido amplo. A autoestima aparece e cresce seu  sentimento de dignidade. Em alguns, eram perceptíveis as mudanças na maneira de andar, de sentar, de falar, de tratar os outros.
 Eles se entusiasmavam quando descobriam o seu poder de se autoalfabetizar. De fato, o monitor, propriamente, caracterizava-se como um estimulador inicial, que devia fazer
com que seu papel fosse, pouco a pouco, “desaparecendo” de cena. O monitor devia   provocar o “incêndio” da discussão sobre o tema da aula e ir sumindo, aos poucos, da frente da turma. 
O bom monitor do MPF é aquele bem preparado que, com muito engenho e arte, vai-se tornando invisível à medida que o curso avança, e conduz, à certa distância, a que a turma tome as rédeas do seu aprender, como que, descubram que já sabiam aquela lição e se encantem com isso. É um êxtase.
 As últimas aulas daquele curso, naqueles dois engenhos, já não eram mais conduzidas por mim. Eu, naquele terreirão escuro, sob a luz da lua, ou não, só acendia o lampião a querosene, por trás da telinha de plástico com belíssimos desenhos de Francisco Brennand, que ilustravam cada trecho do curso.
 Um ou outro trabalhador ou trabalhadora, espontaneamente, punha-se à frente do grupo para imitar-me. Todos sentavam em toscos bancos de madeira e, como já haviam aprendido a técnica, punham-se a ensinar a si e aos demais.
 Era uma discurseira louca,com palavras que só eles conheciam de suas vidas e labutas ou de palavras que suas imaginações criavam na hora, enquanto eu me recolhia e ia lá para o fundo do terreiro a observar aquele indescritível espetáculo da educação, da auto-educação.

 Numa noite de final de março de 1964, quase próximo ao dia do golpe dos gorilas, recebemos a inesperada visita, numa VW Rural, da Secretária de Educação do Estado de
Pernambuco, Dra. Anita de Paes Barreto, acompanhada pelo jornalista do jornal Última Hora, do Recife, Aloysio Falcão, que foram conhecer os resultados daquela experiência única. E o que viram os levou a lágrimas, a todos eles. Nunca vi tanta gente chorando de alegria ao mesmo tempo.

Essa experiência é o maior galardão de minha vida, a coisa de que mais me orgulho no mundo, muitíssimo mais do que todas as láureas acadêmicas que conquistei, incluindo as dezenas de vezes que fui e continuo sendo, repetidamente, escolhido para paraninfo e/ou patrono em vários estabelecimentos superiores por onde ensinei, aqui ou alhures.

O Movimento de Cultura Popular (MCP) criado à época em que Miguel Arraes fora Prefeito de Recife (1958), tornou-se uma instituição de todo o Estado de Pernambuco com a eleição de Arraes para o governo estadual em 1962.

O MCP não era apenas um movimento de alfabetização conscientizadora de adultos, seguindo o Método Paulo
Freire. Aquele Movimento compreendia também várias praças de cultura instaladas nos bairros proletários da capital pernambucana. Essas praças, construídas em morros e córregos, contavam com escolas, bibliotecas, salas de arte, teatro, cinema, música popular e erudita, danças folclóricas etc.

Tudo isso foi fechado e violentamente destruído pelo ódio à cultura, uma das características do golpe militar de 1º de abril de 1964, com a depredação de instalações do MCP, além de prisão e perseguição do pessoal envolvido naquele movimento.

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O texto acima foi retirado do livro '68, A Geração que Queria Mudar o Mundo',uma obra  que  homenageia a todos os que tombaram na luta por um Brasil livre, com justiça social e com o povo mais feliz.
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*Airton de Albuquerque Queiroz nasceu em 1946, em Caruaru-PE. Na época do Golpe, em 1964, participava do Movimento de Cultura Popular, MCP, criado por Miguel Arraes. Atualmente, é professor adjunto do Departamento de Economia e Representante do Corpo Docente no Conselho Universitário da UFF. Mora em Niterói.

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Agradecimentos:
a todos os autores das imagens que ilustram este texto, os quais não foram nominados, em função de não terem sido encontrados os créditos nas páginas da web de onde as mesmas foram copiadas. Se algum por ventura ler este post pode reclamar e a correção será imediata. Por enquanto, muito obrigada!

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