quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Para aprender a pensar é preciso primeiro aprender a dançar, assim falava Zaratustra.

                                                                        Por Gladis Maia


“Quem dança com as idéias descobre que pensar é alegria. [...] pular de pico em pico. Não ter medo da queda.Foi assim que se construiu a ciência. [...] O conhecimento nada mais é que a aventura pelo mar desconhecido, em busca da terra sonhada. Mas sonhar é coisa que não se ensina. Brota das profundezas do corpo, como a água brota das profundezas da terra.”
Rubens Alves, in A Alegria de Ensinar. 



         Como me situo entre as pessoas que não acreditam em coincidências e percebem todas as coisas como perfeitamente encaixadas no universo, que conspira a nosso favor - dentro de uma ordem exemplar, embora pareça-nos, por vezes,  caótico - aqui vai uma reflexão sobre dois textos que me caíram às mãos no dia de hoje.


         Um deles, publicitário, publicado em página inteira do Correio do Povo, assinado pelo Ministério Público do Trabalho, em caracteres maiores anunciava: “Você contrataria para trabalhar como gráfico no seu jornal um jovem negro de 16 anos, órfão,gago, epilético, com saúde frágil e baixa escolaridade? E uma observação anunciava, diante da possibilidade de uma negação: “Que pena você acabou de dispensar o Machado de Assis.”
          
         Quando a propaganda começa a valer-se de chamadas deste gênero é porque -  felizmente -  estamos prestes, enquanto leitores e cidadãos,  a defender uma sociedade inclusiva.

       Ainda, no mesmo anúncio, em caixa baixa, o texto descrevia que em 1856 o diretor da Imprensa Nacional, no Rio de Janeiro, não teve preconceito e contratou para auxiliar de tipógrafo, o rapaz que viria a se tornar o maior escritor do país. Exaltava a responsabilidade social das empresas em promover oportunidades iguais a respeito da dignidade. Independente da condição sócio-econômica, idade, ascendência, nacionalidade, estado civil,orientação sexual e condições de saúde, que não podem ser motivo de discriminação no ambiente de trabalho, para além da  obrigatoriedade legal.

          É preciso que estendamos estes pressupostos para o melhor funcionamento de nossas  Escolas,  para que assim seja no mercado de trabalho, verdadeiramente e não só na propaganda. É necessário e imperioso que assim o seja, uma Escola de especial qualidade, aberta  a todos os segmentos sociais.

        
       O outro texto,  “Eu, Leonardo”, é de Rubens Alves, do mesmo livro da epígrafe.Fala de um belíssimo vídeo sobre Leonardo Da Vinci, um dos maiores gênios que a história   da humanidade viu nascer, produzido pela IBM.  

         O vídeo e o livro falam de um arquiteto, pintor, músico, poeta, engenheiro, geólogo: Da Vinci, que viveu na Itália, de 1452 a 1519. Que planejou uma cidade ideal, com casas construídas segundo os princípios da beleza, banhadas de luz. Que imaginava máquinas que a tecnologia da época não conseguia produzir. Que estudou o vôo dos pássaros para que os homens construíssem máquinas de voar. Que sonhou com navios que navegassem como peixes, debaixo das águas. Que ao estudar  a água a consagrara como princípio vital do universo. Que estudando os fósseis  concluiu que há milhões de anos os cumes das montanhas haviam estado submersos nas águas.   
     

        Como bem acentua Rubens Alves, pensando nas  discrepâncias sociais de cada época,  imaginou o que seria a vida de Da Vinci nos dias de hoje. Em plena era da tecnologia e da qualidade total, a mesma IBM, que lhe homenageia lhe daria um emprego - ou outra grande empresa qualquer? é provável que não! Pensem bem, um homem com tantos interesses e habilidades concomitantes, por certo despertaria suspeitas já na apresentação do seu currículo...

         Mas, digamos que ele conseguisse o tal emprego e num dia qualquer seu chefe lhe pedisse um relatório sobre um projeto de pesquisa e Da Vinci lhe respondesse que não poderia naquele momento fazê-lo, pois estava preocupado com um outro projeto estético, um quadro que pensava em pintar.

         “É. ( pondera o  autor) Acho que Leonardo Da Vinci não teria vida longa nem como funcionário da IBM, nem como professor de uma de nossas universidades.[...] Gastar tempo pensando em música, jardinagem, política, ecologia, é uma doença a ser evitada a todo custo,em benefício do controle de qualidade do pensamento.[...] é cortar as asas da imaginação a fim de que ele marche ao ritmo dos tambores institucionais.”

         A genialidade não se espraia de maneira generosa sobre a humanidade, mas muitos gênios foram sufocados, incompreendidos  em sua estada pela terra... E, a Escola tem sido uma das primeiras instituições a contribuir para isto, muitas vezes. Estendendo-lhes os primeiros grilhões, como tão bem referenda Ruth Rocha neste  trecho de “Quando a Escola é de Vidro”.


 “Eu ia para a escola todos os dias de manhã e quando chegava, logo, logo, eu tinha que me meter no vidro. É, no vidro! Cada menino ou menina tinha um vidro e o vidro não dependia do tamanho de cada um, não!

 O vidro dependia da classe em que a gente estudava. Se você estava no 1º ano, ganhava um vidro de um tamanho. Se você fosse do 2º ano,seu vidro era um pouquinho maior. E assim, os vidros iam crescendo à medida que você ia passando de ano.


Se não passasse de ano, era um horror. Você tinha que usar o mesmo vidro do ano passado. Coubesse ou não coubesse. Aliás, nunca ninguém se preocupou em saber se a gente cabia nos vidros.
 E para falar a verdade, ninguém cabia direito. Uns eram muito gordos, outros eram muito grandes, uns eram pequenos e ficavam afundados no vidro, nem assim era confortável.

A gente não escutava direito o que os professores diziam, os professores não entendiam o que a gente falava, e a gente nem podia respirar direito ... A gente só podia respirar direito na hora do recreio ou na aula de educação física. Mas aí a gente já estava desesperado de tanto ficar preso e começava a correr, a gritar, a bater uns nos outros”.


 Não é bem assim que fizemos com as nossas diversas e singulares crianças, ao  não respeitar as  suas características diferentes,as suas visões de mundo, as suas percepções? Não lhes cortamos as asas? É hora de mudar! Escolas não são exércitos, muito menos fábricas!  Chega de tanta reprovação e evasão! Vamos acolhê-las, abrindo nossos portões e fazendo da escola um lugar para estarmos e sermos felizes enquanto aprendemos a aprender com nossos alunos, e depois também. Até porque chega de tanta reprovação e evasão!

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